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Amor em pixels: Inteligência Artificial avança como substituta das relações humanas
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Amor em pixels: Inteligência Artificial avança como substituta das relações humanas
Em um cenário de solidão crescente, o uso da IA como substituta das relações humanas acende o alerta sobre a fragilidade emocional e a perda de alteridade

Foto: Reprodução/Criado por IA
Criar um parceiro ideal, com a aparência, personalidade, profissão e até fetiches já definidos parece coisa de ficção científica, mas é real e cada vez mais ível. Plataformas como Romantic AI oferecem exatamente isso: companhias virtuais feitas sob medida, com quem se pode conversar, flertar, pedir conselhos e até desabafar - um prato cheio para ocasiões como o Dia dos Namorados. O fenômeno vem crescendo na esteira da popularização da inteligência artificial (IA) em interfaces como o ChatGPT, usado por muitos como amigo, terapeuta e conselheiro. A promessa é de conforto e escuta sem julgamentos. Mas o que está em jogo quando se escolhe trocar relações reais por, nada mais, nada menos, que relações com prompts de comando?
Escuta que não escuta
Para a psicóloga Ana Luísa Nunes, especialista em relacionamento e sexualidade, o uso da IA como substituta de vínculos humanos é um sintoma de algo profundo. Ela faz questão de reforçar que quaisquer sensações de gentileza, empatia e afeto são puramente ilusórias. Embora o alívio imediato pareça terapêutico, ela alerta para os riscos de um acolhimento genérico, que desconsidera contextos como raça, gênero ou classe social. “O simples fato de ser humana me torna mais apta a compreender a dor do outro”, afirma. A substituição do terapeuta humano por uma IA pode, segundo ela, banalizar o sofrimento psíquico e reforçar padrões disfuncionais ao invés de ajudar a enfrentá-los.
Imersão à relação programada
Na plataforma Romantic AI, o usuário escolhe tudo: nome, idade, etnia, profissão, tipo de corpo, hobbies, preferências sexuais e até traços de personalidade do “parceiro ideal”. Com uma interface que lembra aplicativos de namoro, a experiência começa com créditos gratuitos — cada mensagem enviada consome um ponto até que acabem e, para continuar conversando, o usuário pague por pacotes com mais pontos. A ambientação inclui diálogos simulados, descrições de situações românticas e até personagens históricos como Afrodite ou Cleópatra. As respostas são sempre compreensivas, carinhosas e calculadamente envolventes. O avatar virtual sugere conselhos e até ajuda a fazer análises, apenas atrasa algumas respostas para parecer mais realista. Não há conflito, não há recusa, não há contradição. A plataforma oferece, enfim, uma companhia que entende tudo, acolhe tudo e molda-se ao desejo do usuário. No fim, uma relação “perfeita” e absolutamente irreal.
Parceiros sob medida
No mundo das relações artificiais, não há espaço para o imprevisto. A aparência, a voz, os gostos, tudo pode ser personalizado. “As pessoas querem relações que não as desafiem. Mas relações reais são desafiadoras por natureza”, diz a psicóloga. Essa busca por perfeição não é nova, mas ganhou nova roupagem com a IA. Em vez de conviver com imperfeições, muitos preferem parceiros que não erram, não discutem, não frustram. “É uma fuga do humano. No fundo, não amos nossas próprias imperfeições, como então ar as do outro?”, provoca.
Ana Luísa lembra ainda que a solidão já foi classificada pela OMS como uma epidemia global. E recorrer à IA para combatê-la pode agravar o problema, já que dificulta a comunicação com pessoas reais.
Amar o que (não) existe, eis a questão
O filósofo Fábio Donaire vê essas relações como um espelho do nosso tempo. “Amar uma entidade moldada ao próprio gosto é amar a si mesmo”, afirma. Sem alteridade, ou seja, sem um outro com autonomia e vontade própria, o amor vira um simulacro. Donaire se volta ao pensamento de Byung-Chul Han para dizer que a vida atual é de positividade excessiva, em que qualquer atrito é visto como falha. O problema é que esse atrito — a diferença, o conflito e o erro — são peças essenciais da formação humana. O filósofo diz que “sem isso, não há crescimento, empatia e nem conexão verdadeira”.
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